Se a IA superinteligente será realidade até 2027, ninguém sabe. No entanto, a previsão para 2026 já é clara: o ano será definido por agentes de IA facilmente acessíveis, ou seja, grandes modelos multimodais capazes de construir e executar uma cadeia de ações de acordo com os comandos do usuário. Os recursos do agente já estão disponíveis no site do ChatGPT e em outros provedores, mas, para atingir o desempenho máximo, eles devem executar ações diretamente no computador do usuário, e não na nuvem.
A solução ideal provavelmente seria um sistema operacional com inteligência artificial, mas criar um novo sistema operacional é um desafio. Por causa disso, todos os esforços estão concentrados em uma alternativa simples e eficaz: o navegador com IA. Aqui, trata-se de um navegador comum com um LLM profundamente integrado. O modelo de IA pode visualizar todas as páginas abertas, processar as informações e realizar os mesmos comandos que um usuário faria, como abrir, clicar, inserir dados, salvar e baixar.
Todos os líderes de mercado consideram o valor dessa solução. Por exemplo, a Perplexity lançou seu próprio navegador Comet e, recentemente, fez uma oferta multibilionária para comprar o Chrome, enquanto a OpenAI começou a desenvolver seu próprio navegador. Google e Microsoft estão em vantagem, pois integraram o Gemini e o Copilot aos seus navegadores, Chrome e Edge, respectivamente. Enquanto isso, a Mozilla está atingindo o mesmo objetivo de maneira diferente: integrando de forma gradual os recursos de IA em profundidade em seu navegador Firefox.
Assim, já é comum ver anúncios que incentivam a “atualizar o navegador” baixando a versão mais recente ou ativando os “recursos inteligentes” na atual. No próximo ano, eles vão tomar conta de tudo. A única coisa a ser decidida é o motivo dessa necessidade e se os benefícios compensam os possíveis riscos.
Por que alguém poderia precisar de um navegador com IA?
Um assistente de IA perfeitamente integrado ao navegador pode libertar você de muitas tarefas tediosas. Com apenas um clique, você pode obter um resumo rápido de um artigo longo ou de um vídeo de duas horas, ou ainda, em vez de ler um documento extenso, será possível fazer uma pergunta sobre seu conteúdo. Tudo isso acontece de forma rápida e natural, sem a necessidade de copiar e colar links ou textos em uma guia do chatbot.
Mas o verdadeiro avanço virá com os recursos de agente: a capacidade de executar ações específicas em vez de apenas processar dados. Por exemplo, você pode abrir seu marketplace favorito e pedir ao assistente para adicionar ao carrinho tudo o que precisa para uma viagem de três dias em agosto.
Ao contrário de recursos semelhantes já disponíveis em sites de provedores de IA, essa atividade de agente ocorre diretamente em seu computador. Os serviços on-line reconhecem o usuário, pois a conexão já está estabelecida, e as operações ocorrem muito mais rapidamente do que em uma máquina virtual na nuvem, ainda que melhores resultados não sejam garantidos.
Os recursos de recuperação de informações podem gerar resultados mais precisos em um navegador com IA no seu dispositivo, pois bots como ChatGPT, Claude e Perplexity são bloqueados em diversos sites. Isso evita que os LLMs considerem muitas fontes atualizadas em suas respostas. Com esses recursos sendo executados no navegador, o problema é atenuado, pois o assistente de IA acessa os sites para você. Além disso, se você tiver acesso a fontes de dados restritas, como revistas científicas ou relatórios do mercado de ações, o agente de IA poderá usá-las conforme necessário.
Por que as empresas de IA precisam de um navegador assim
Alguns provedores de soluções de IA explicam suas motivações, enquanto outros dependem das suposições baseadas nos modelos de negócios das Big Techs.
Bilhões de usuários. A entrada bem-sucedida no mercado de navegadores é um meio de acesso para atingir a maior base de usuários possível. Claro, adquirir o Chrome, ou pelo menos o Firefox, seria o ideal, mas, em todo caso, os agentes da área de tecnologia sempre podem posicionar o próprio navegador no topo da escala da popularidade.
“Aceitação”. Um serviço integrado diretamente no navegador terá um uso mais frequente porque estará sempre à disposição. Além disso, mudar de um navegador conhecido dá trabalho: é preciso migrar e configurar favoritos e extensões em outro navegador. Isso é muito mais do que simplesmente fechar uma guia de bate-papo e abrir outra.
Mais informações. Se muitos usuários acessarem o serviço com frequência, eles fornecerão mais dados ao provedor de IA, permitindo que novas versões dos modelos sejam treinadas mais rápido, contribuindo para a melhoria do produto. Um navegador tem acesso a todo o tráfego da Web do usuário, portanto, o treinamento pode ser feito em qualquer dado do site, não apenas em conversas com o modelo.
Novos métodos de treinamento. O provedor ganha uma mina de ouro de dados comportamentais. Atualmente, os agentes de IA trabalham examinando páginas da Web e descobrindo qual botão pressionar. Isso se assemelha à maneira como os humanos pensam em voz alta: um processo lento e pouco eficiente. O treinamento com movimentos e cliques do mouse criará uma nova camada no modelo, semelhante à memória motora humana, tornando-o mais rápido e eficiente.
Provedores mais ousados poderiam até usar arquivos do usuário no computador para treinamento. As versões mais recentes do Facebook já fazem algo semelhante ao enviar fotos não publicadas da galeria do telefone do usuário para a nuvem.
Custos mais baixos. Os enormes custos com servidores dos provedores de IA cairiam, porque parte do trabalho seria executada diretamente no computador do usuário, em vez de numa máquina virtual na nuvem.
Burlando bloqueios e paywalls. O treinamento de modelos já sofre com a falta de fontes novas, problema agravado por muitos sites que bloqueiam o acesso de agentes de IA. A Cloudflare, que protege um em cada cinco sites, incluindo a grande maioria dos sites maiores, ativou essa política por padrão. Enviar solicitações a partir do computador do usuário contorna esses obstáculos: a atividade do agente fica indistinguível da do dono do computador.
Uma rede distribuída de navegadores permite acessar sites para fins como o treinamento de modelos, sem esbarrar em restrições. Em tese, isso também permitiria baixar dados não acessíveis publicamente, como artigos de periódicos por assinatura.
Impacto na privacidade e confidencialidade
Tudo isso significa que um navegador com IA cria ameaças significativas e pouco controladas à sua privacidade. As empresas de IA teriam acesso a todo o seu tráfego, histórico de navegação, conteúdo completo desses sites e a todos os arquivos do seu computador.
Assim, você pode acabar fornecendo dados profundamente pessoais ou restritos de forma acidental, como livros comprados ou artigos científicos não publicados, em um sistema de IA público. Também é possível vazar, por acidente, informações altamente confidenciais de sites de trabalho, como rascunhos de relatórios financeiros, projetos em andamento ou outros segredos comerciais.
Este não é um cenário de ficção científica: em 2023 o ChatGPT revelou por engano trechos de conversas de usuários e o recurso “compartilhar bate-papo”, disponível para usuários do ChatGPT até 31 de julho de 2025, levou à indexação de dezenas de milhares de conversas de usuários pelos mecanismos de busca, tornando-as acessíveis a qualquer pessoa.
O que torna os navegadores com tecnologia de IA um risco de segurança
Incidentes envolvendo aplicativos de IA estão se tornando comuns e pintam um quadro preocupante.
Em um experimento recente, os pesquisadores enganaram com sucesso um agente de IA dentro do navegador Comet para baixar malware no computador de seu proprietário. Isso foi feito por meio de um e-mail falso enviado para a conta da vítima, que o agente conseguia acessar, alegando falsamente conter resultados de exames de sangue. Para baixá-los, o usuário precisava clicar em um link e preencher um CAPTCHA. Quando o agente de IA tentou baixar os resultados e encontrou um CAPTCHA, ele recebeu a solicitação para concluir uma tarefa especial, que o agente tratou “com êxito” ao baixar um arquivo malicioso.
Em outro experimento da mesma equipe, um assistente de IA foi persuadido a comprar produtos de um site fraudulento. Como senhas e informações de pagamento normalmente são salvas em navegadores, enganar um agente de IA pode causar perdas financeiras reais.
Pesquisadores notaram que a IA é extremamente vulnerável à engenharia social e que truques comprovados que enganam humanos também funcionam bem nela. Embora os testes tenham sido conduzidos no navegador Comet, a mesma coisa aconteceria em qualquer navegador com recursos de agente de IA.
Outro risco é que um navegador é um aplicativo completo com amplo acesso aos arquivos no computador. Ao obedecer a uma injeção de prompt em um site malicioso, um assistente de navegador pode excluir os arquivos do usuário ou carregá-los em sites fraudulentos sem permissão. Um exemplo recente envolvendo a invasão do aplicativo Nx demonstrou o seguinte: o código malicioso não pesquisou carteiras de criptomoedas ou senhas nos computadores dos desenvolvedores infectados, em vez disso, ele simplesmente instruiu os assistentes de IA anteriormente instalados para que encontrassem os arquivos necessários.
Um terceiro risco, ainda hipotético, está relacionado ao fato de que cada vez mais países aprovam leis contra o acesso a informações ilegais online. A lista do que é proibido difere de país para país, desde abuso sexual infantil e terrorismo até livros não licenciados e tecnologia criptográfica. Se alguns players no mercado de navegadores de IA decidirem usar seu navegador como um rastreador (search bot) para treinar novos LLMs, ou se um agente de IA for atacado com uma injeção de prompt, o assistente de IA poderá começar a procurar essas informações sem a solicitação do usuário. Como o usuário provaria que era a IA que estava procurando os dados é uma questão em aberto.
Além disso, não devemos esquecer as vulnerabilidades de software tradicionais. Centenas de defeitos perigosos são encontrados em navegadores todos os anos porque a segurança do navegador é uma tarefa de engenharia complexa. Mesmo com a equipe do Chromium fazendo a maior parte do trabalho, ainda há muito o que ser feito pelos desenvolvedores de wrappers. Será dada atenção suficiente para testar e corrigir vulnerabilidades em navegadores com tecnologia de IA? Não é garantido.
Por fim, a implementação desleixada dos recursos de IA pode levar ao consumo excessivo de memória e CPU, conforme demonstrado pelo recente lançamento do Firefox 141. Embora isso não ameace diretamente a segurança, os atrasos e falhas incomodam os usuários e aumentam a chance de erro humano.
O que torna um navegador com IA ideal
Para aproveitar os benefícios da IA sem criar riscos desnecessários, você deve escolher um navegador que:
- Permita ativar e desativar o processamento de IA com um único clique para sites individuais e grupos de sites, enquanto isola modelos de IA e seus contextos de conversa entre sites diferentes.
- Garanta que a IA apenas baixe e envie informações de acordo com as solicitações específicas do usuário.
- Permita escolher o modelo de IA, inclusive um modelo totalmente local.
- Realize verificações automáticas e não hesite em checar novamente com o usuário em situações duvidosas.
- Solicite confirmação antes de inserir dados confidenciais ou fazer compras.
- Possua restrições internas no nível do sistema operacional quanto ao acesso a arquivos e dados.
Atualmente, nenhum navegador com esses recursos específicos existe no mercado. Além disso, todas essas medidas não serão suficientes para proteger o usuário contra sites de phishing, golpes e os riscos associados ao acessá-los. Portanto, além de um navegador inteligente, será ainda mais imprescindível ter um sistema externo para fornecer a proteção completa ao computador e smartphone contra ameaças virtuais.
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