Dados e privacidade

Implantes neurais: como essa novidade pode transformar a privacidade digital

Graças a interfaces que ligam cérebro e computador, a comunicação por telepatia pode se tornar uma realidade num futuro próximo. Mas o que isso significa para a nossa privacidade individual?

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No último mês de outubro, pesquisadores franceses apresentaram um exoesqueleto controlado pela mente, que permitiu que um homem tetraplégico caminhasse de novo quatro anos depois do acidente que tirou seus movimentos. O sistema funciona por meio de dois aparelhos implantados cirurgicamente e que conectam 64 eletrodos a um computador, que traduz as ondas neurológicas recebidas para instruções que controlam o exoesqueleto. Ou seja, o simples ato de pensar em caminhar permitiu que o paciente mexesse suas pernas fisicamente.

Mesmo que a neurotecnologia ainda esteja em seus primórdios, afinal, este experimento também envolveu 65kg de equipamentos de robótica e um arreio de segurança preso no teto, este é um marco que pode trazer esperanças a pessoas com algum tipo de restrição de mobilidade. Mas, assim como acontece com qualquer outra tecnologia inovadora, é inegável que ainda são necessárias diversas melhorias em termos de segurança para atingir o nível ideal.

Teoricamente, essas inovações também têm um impacto muito profundo sobre o campo do transhumanismo. É possível que no futuro as pessoas se transformem cada vez mais em máquinas, deixando o lado humano de lado para aprimorar certas capacidades. Isso talvez seja um panorama animador para os fãs da chamada ficção cyberpunk, mas não devemos esquecer que cada aparelho digital é um alvo em potencial para os hackers.

Da prova de conceito à usabilidade e hackeabilidade

Independentemente de quão promissora essa nova tecnologia seja, principalmente para pacientes com lesões sérias de coluna, é importante lembrar que ainda há um longo caminho a percorrer para que esse tipo de tratamento se torne clinicamente viável. Mas isso mostra a direção para a qual estamos indo, e que não deve se ater somente a revolucionar a tecnologia médica. Nos exoesqueletos controlados por implantes neurais, o próximo objetivo é melhorar o tempo de reação para tornar esses sistemas mais responsivos e balanceados. A ideia em geral é reduzir o peso do equipamento e maximizar a vida útil dos eletrodos sem aumentar os riscos de que os pacientes sofram danos ao seu tecido nervoso.

Pode ser que passem décadas antes que uma tecnologia assim chegue ao grande público, mas esse dia vai chegar. Hoje os implantes neurais já não existem somente nos livros de ficção científica, eles são uma realidade. Mas assim que essa tecnologia der os primeiros passos para fora do laboratório, será não só possível, como provável, que termine caindo nas mãos erradas, como as de hackers, governos corruptos e seus exércitos. Serão necessárias medidas para resguardar e implementar a segurança e a privacidade desde o início do processo de fabricação. Mas, assim como em todos os aparelhos conectados digitalmente, reduzir as chances de que esses implantes neurais sejam hackeados é uma preocupação mais imediata.

Assim que as interfaces entre computadores e cérebro se tornarem disponíveis para o grande público, hackers e empresas sem escrúpulos não vão demorar a entrar na jogada. Mas métodos invasivos não são os únicos motivos de preocupação: os riscos mais imediatos estão nos eletroencefalogramas (EEG) não-invasivos, que afetam os eletrodos acoplados externamente, no couro cabeludo. E isso pode acontecer antes do que você espera.

Você deixaria empresas lerem seus pensamentos?

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Poucas pessoas responderiam “sim” a essa pergunta, mas algumas empresas já estão desenvolvendo métodos para permitir que seus clientes controlem alguns serviços diretamente com a mente. O Facebook, que já não tem um histórico muito bom quando o assunto é privacidade, é uma dessas empresas. Recentemente, durante um evento na Universidade de Harvard, Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, revelou que a empresa está no processo de desenvolver uma tecnologia que permitirá que as pessoas controlem seus serviços com as próprias mentes. Tudo sem menus de navegação, nem botões ou teclas. Mas isso leva a uma pergunta: você deixaria uma empresa ter acesso a seus pensamentos e captar dados para te entregar anúncios mais relevantes se, em troca, você pudesse pedir uma pizza só de pensar nos seus ingredientes favoritos?

Mesmo que isso pareça algo muito distante, é importante lembrar que dados digitais são a commodity mais desejada do momento, até mais do que petróleo ou metais preciosos. E se traduzirmos toda a capacidade da mente humana para dados digitais, a estimativa é de cerca de 2,5 petabytes, o que equivale a 3 milhões de horas de streaming de vídeo. Outras estimativas mais “alternativas” são um pouco mais baixas: segundo a questionável mídia estatal da Coreia do Norte, o presidente da Coreia do Sul tem apenas o equivalente a 2 MB de informação em sua mente.

Mas mesmo que as estimativas variem entre o impressionantemente absurdo e o praticamente abstrato, Zuckerberg também lembrou que a maneira mais rápida que temos atualmente para divulgar informações para o mundo é através da fala. E a velocidade da fala já é equivalente a uma banda-larga de um modem de 14,4kb. Com uma interface que ligue mente e computador, será possível transmitir dados quase na mesma velocidade do nosso pensamento, que é cinco vezes maior que a da fala. Ou seja, se você estiver realmente com fome, aquela pizza vai chegar pelo menos um minuto mais rápido na sua casa.

Os cibercriminosos serão capazes de invadir sua mente em algum momento?

Essa é uma linha muito comum nas histórias de ficção científica e que já foi explorada em programas de TV perturbadoramente realistas, como “Black Mirror” e “Through the Wormhole com Morgan Freeman”. Mas, no mundo real, também estamos cada vez mais perto de viver numa sociedade onde ler e modificar mentes por meio de ferramentas tecnológicas pode se tornar uma realidade.

Onde há dados há pessoas que estão dispostas a usá-los. E se existe conectividade, existem maneiras de explorar isso. Enquanto organizações legítimas e idôneas devem enfrentar restrições duras sobre como implementam e mantêm interfaces neurais graças a leis como a GDPR, criminosos cibernéticos não seguem as mesmas normas. E para piorar, a evolução tecnológica tem o hábito de ultrapassar nossa habilidade de mitigar os riscos. Se, ou na verdade quando, os cibercriminosos tiverem acesso a tecnologias desse tipo, eles terão a capacidade de roubar ou implantar pensamentos nas pessoas, e com isso fazê-las de refém ou até elevar golpes de engenharia digital a um patamar completamente desconhecido.

O que podemos fazer para assumir o controle dos nossos pensamentos?

Ainda que possa soar absurdo ler os pensamentos das pessoas para entregar anúncios superespecíficos ou para torná-las zumbis controlados por computador, as consequências da neurotecnologia são reais o suficiente para terem chamado a atenção dos órgãos reguladores e dos grupos de direitos humanos. Em abril de 2017, o especialista em neuroética Marcello Ienca, da Universidade da Basiléia, e o advogado dos direitos humanos Roberto Adorno, da Universidade de Zurique, publicaram um estudo explorando as maneiras de tentar minimizar os riscos desse tipo de tecnologia. Com isso, no Reino Unido, a Royal Society recentemente apresentou um pedido oficial para que o governo lançasse uma investigação sobre tecnologias de interface neural.

O que podemos fazer é esperar que a ética e as leis se mantenham em dia, antes que seja tarde. Nunca foi tão importante que pessoas e organizações pensem cuidadosamente sobre como elas usam as novas tecnologias e assegurem que a privacidade e a segurança sejam sempre implementadas, desde a origem e sem exceções.

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